NO FINAL dos anos cinquenta, eu contava com os meus doze a treze anos e a nossa incipiente Vazante, há poucos anos elevada as condições de cidade, engatinhava.
ANTÔNIO DA ODILIA, empreendedor visionário, construiu o primeiro prédio de dois pavimentos da região.
Até hoje ele ali está, no início da rua Pedro Chico, mostrando a sua saúde de ferro, cimento e brita, sem qualquer trinca ou rachadura, honrando o diploma do engenheiro rural, o seu proprietário.
O PRÉDIO, composto por dois pisos, sendo que o primeiro foi dividido em duas lojas, que foram longamente utilizadas para o comércio de bar, farmácia e outros ramos comerciais.
Já o segundo, era um belíssimo e confortável apartamento, onde o Sr Antônio agasalhou por longos anos a sua família.
NUMA das lojas, a princípio, foi palco de horas dançantes, onde os jovens da época valsavam alegremente por algumas horas. Isso, sim, quando conseguiam vencer a milenar preguiça e má vontade do Brasilino Salgado.
BRASILINO SALGADO, um dos imigrantes oriundos da vizinha Coromandel, aliás , de onde vieram tantos outros, que foram importantíssimos na difícil iniciação da nossa Vazante.
Correndo o risco de esquecer algum importante, cito os Rezendes: Ubaldino, João Victor, Quinzinho, Noraldino, Lázaro Ferreira…;Os Dairel: Oduvaldo e seus irmãos, Rubens, Democrito, Maria e Luzia.
Isolados, Reni Soares, seu irmão Arioaldo, Vicente Pena, Antônio Alfaiate, Beu Alfaiate, Didico Farmacêutico, Zequinha Mota, João Quiterio e família,
Posteriormente vieram outros, todos muito importantes para o desenvolvimento de Vazante. Sem esquecer que Ubaldino Rezende foi peça fundamental para a emancipação do município e Oduvaldo Dairel foi Vice Prefeito, chegando a ocupar, temporariamente, a chefia do Executivo. João Victor foi Juíz de paz durante alguns anos.
VOLTEMOS ao BRASILINO.
Barbeiro por profissão e sanfoneiro por amor a música, era constantemente assediado pelos jovens de então, para alegrar o salão do prédio do Toe da Odilia, por algumas horas dançantes.
Eles organizavam o baile, contratavam o sanfoneiro, remunerando regiamente o instrumentista, pois não tinha concorrente e, por isso, rancava o couro dos bailarinos.
Não tendo opção, submetiam e toleravam a peculiar má vontade do Brasilino.
AS MINHAS duas irmãs, já adolescentes, eram frequentadoras desses saraus dançantes. Meus pais, no entanto, permitiam a elas essas diversões, mas condicionadas ao acompanhamento de um dos irmãos. Quase sempre, pelo Romao, que também usufruía daqueles momentos dançantes, pois tinha idade suficiente para tal.
UMA NOITE dessas, apesar da pouca idade, sobrou pra mim acompanhar as meninas, pois o Romao não estava em casa.
Achei uma beleza, sem sequer imaginar o que me aguardava.
O BRASILINO, naquela fatídica noite, tava com a “vó atrás do toco”, como anteviam os bailarinos.
Ele, que já era bem maduro, viúvo há alguns anos, tinha arranjado um rabicho com uma morena bem mais nova do que ele. Por essa razão ele queria ficar sempre em roda da moça. Principalmente de noite, depois de um dia de tesoura e navalha.
A SANFONA abria e fechava ritmando as marchas, xotes, mazurcas e valsas. Lá de vez em quando um bolero e um tango, por serem mais lentos, descansavam o tocador.
EU e outros meninos acompanhantes posicionávamos próximo ao BRASILINO, que não escondia a sua insatisfação com as nossas presenças.
OS DEDOS do velho percorriam automaticamente as teclas e os quarenta e oito baixos do acordeon, mas seu pensamento estava lá na Pamplona, onde a donzela o aguardava.
Era visível a sua má vontade e o desejo de se mandar dali.
DE REPENTE, de supetão, ele fecha o fole e diz em voz alta: “ acabou. Nem um toque a mais. Não aguento esses moleques em roda de mim, peidando fedendo!” E jogou a sanfona nas costas e escrafedeu.
ENQUANTO o velhote gozava os prazeres da morena, nos, injustamente, com cara de tacho, enfrentávamos a turba raivosa pelo fim extemporâneo do baile daquela noite..,