Advogado, fazendeiro,
escritor e empresário

 

NA FAZENDA Macaúba, de propriedade do meu avô, Marciano Borges da Cunha, conhecido em toda a região, por Dandico Borges, era comum surgir, vez ou outra, pessoas em busca de serviços e até mesmo de um abrigo. Por ser localizada nas margens da estrada de automóveis, que interliga Coromandel a Paracatu, e pelo senso caritativo do casal, Dandico e a Donana, muitas pessoas ali buscavam abrigo e conseguiam. Posso identificar, o Ze da Vilina, o João do Clarimundo, a Ana e seu filho, Pedro, o Tião Ferrugem… Esses foram por mais tempo. Diversos deles foram os que ficavam por meses, até ano e depois iam embora, a exemplo do Pituin, o Jerônimo Coleto, o Emídio Baiano e muitos outros.

Esse Emídio Baiano teve uma passagem especial com ele, que merece relatar. Ele era invocado com o voo dos pássaros e dos aviões e dizia sempre que um dia ele iria voar. Não há de ver que numa bela manhã ensolarada ele amarrou uma porção de folhas de bananeiras no corpo, subiu em cima do moirão da porteira e alçou voo. Não deu outra, meteu a cara no chão, se esfolando todo. Por isso muitos passaram a chamá-lo de Emídio Gavião…
RETROAGIREI a década de cinquenta, quando surgiu na fazenda Macaúba, o Sebastião Rodolfo de Queiroz. Era um adolescente, na faixa de uns 15 anos, tendo como bagagem uma ´pequena mala de pano contendo uns poucos pertences pessoais e uma única muda de roupas.

FOI recebido pela Vó Ana, sendo indagado inicialmente se estaria com fome. Respondeu que tinha dias que não comia nada de sal. Veio pelo alto da serra, onde comeu várias frutas silvestres. Tinha fartura de baque pari, fruta de cera, mangaba, marmelada cachorra, araticum… Com fome mesmo não estaria, mas tinha necessidade de alimentar-se com uma comida caseira.

FEITAS as indagações necessárias, assim como de onde vinha? Qual o seu nome? Pra onde vai? etc… Terminou ficando ali mesmo na fazenda Macaúba. Um a mais não iria fazer diferença – sentenciou a Vó Ana.
COM o passar do tempo o Sebastião ficou sendo gente de casa.
Pessoa simples, humilde, trabalhador, com a idade mais ou menos igual a dos meus tios mais novos, logo se aclimatou e foi ganhando a estima de todos.

Como tinha um dos meus tios, que também se chamava Sebastião, não demorou muito e ele ganhou uma alcunha para diferenciar do seu xará. Devido a sua característica facial – ele era sardo – tinha o rosto completamente tomado por pintas e devido a faina diária ao sol, a pele foi queimando e acabaram achando o apelido certo. Ora era o Tião Ferrugem, ora era o Tião Carijó. Naqueles tempos não tinha essa chatice do famoso Buling. Atendia normalmente pelas alcunhas recebidas e não se sentia ofendido ora nenhuma.

O TEMPO fluiu. Meu avô sempre o incentivava para tentar aprender uma profissão. Embora analfabeto, o que era normal pra época, mas o Vovô via nele algo de promissor. MEUS tios eram muito ligados aos velhos. Nessa época só estariam morando com eles o Tio Jose, Tio Sebastião(chamado pelos íntimos de Borge e o Tio Alírio.

Tio José Dandico – todos carregavam orgulhosamente o apelido do pai -, resolveu alçar o seu voo. Adquiriu uma propriedade rural nas proximidades de Vazante. Era localizada na região da fazenda Jacuba, nas margens do córrego do Capinzão. Trouxe com o ele o Tião Carijó.

FOI nessa época que convivi mais de perto com o Tião, pois trabalhamos juntos por algum tempo para o meu tio, com quem eu era muito ligado e o ajudava nas suas lidas de fazenda.

POUCO prazo depois, em razão de ser diagnosticado com uma cardiopatia grave, meu tio querido se viu obrigado a vender a propriedade e estabeleceu-se com uma venda de secos e molhados, na cidade de Vazante.
Essa atividade comercial do Tio durou pouco e foi fundamental na vida do Tião. Ao vender o seu comércio o Tio José adquiriu uma sapataria na cidade de Coromandel, trazendo-a para Vazante, surgindo a oportunidade para o Tião aprender a profissão de sapateiro, que o acompanhou para o resto da sua vida.

A PROFISSÃO de sapateiro foi de uma importância fundamental para o Tião, pois representou a sua liberdade, permitindo-o viver por conta própria. Mesmo após o Tio José vender a sapataria para outros e vindo a falecer pouco tempo depois ele prosseguiu na profissão e a cada dia se fazia mais competente, ganhando bom salário e reconhecimento.

CASOU-SE com Marieta Pereira de Queiroz, filha do Sr. Secundino Pereira e D. Maria Antônia dos Santos. O seu matrimônio realizou-se na cidade de Lagamar, onde residiam os pais da sua esposa. Desse consórcio nasceram-lhes os filhos: Aparecida, José Donizete, Sônia, José Wilson, Ivair, Paulo, Denis e Gislene. Todos nasceram em Vazante, onde o casal residiu até o ano de 1.976, quando se mudaram para a cidade de Patos de Minas, onde a coincidência aconteceu.

O SEBASTIÃO trabalhou por diversos anos na sapataria dos irmãos, Zezé e Zizi Sapateiros. Eles que eram naturais de Presidente Olegário, vieram pra Vazante, juntamente com os seus tios, Eureslindo e Sebastião, ambos conhecidos por Sapateiros, devido a profissão. Residiram longos anos nessa cidade, dando oportunidades aos aprendizes e profissionais da área, servindo muito a toda a população vazantina e da região.
OS dois irmãos, Zezé e Zizi, resolveram mudar para a cidade de Patos de Minas, levando a sua sapataria e com eles foi também o Tião Ferrugem, nessas alturas casado e pai de oito filhos.

A SAPATARIA dos irmãos obteve um grande e merecido sucesso, pois trabalhavam com seriedade e muito profissionalismo, evoluindo-se para uma grande fábrica de botinas reconhecida no País inteiro. A marca Palmas alcançou grande repercussão e é vendida em todas as casas do ramo calçadista do Brasil.
COM a sua competência profissional o Tião continuou trabalhando com os mesmos patrões, até a sua aposentadoria, empregando na Fábrica todos os filhos, que seguiram a profissão do pai.

O CASAL Sebastião e Marieta, conviveram casados até os meados de 1.995, quando resolveram de forma amigável se separarem. Já doentes ambos tiveram o acolhimento de duas filhas, que por ele zelaram até que Deus fosse servido.
EU visitei o Tião na casa de uma das suas filhas, a Sônia, que dele zelava, pois já acamado, necessitava do apoio da filha e dos demais familiares. Infelizmente ele não tinha mais condições de diálogo, pouco com ele conversei. Mas mesmo assim me senti feliz em revê-lo, pois ele fez parte da minha infância e juventude.
DIZEM que o Mundo dá muitas voltas e é verdade.

Veja o que estava reservado para esse casal. O Tião e a Marieta viveram separados maritalmente por longo vinte anos, morando no bairro do Rosário, na cidade de Patos de Minas, ele com uma das filhas e ela com outra filha, Aparecida, há pouco mais de dois quarteirões de distância uma da outra. Apesar de separados de fato, conviviam amistosamente.

NUMA manhã, especificamente do dia 04 de maio de 2.015, a filha Sônia se levantou e, como de costume, foi até ao quarto do pai verificar como estaria ele. Ao adentrar o recinto avistou uma das suas pernas dependurada ao lado do leito. O tempo frio levou-a a recriminá-lo, sem mesmo saber o motivo. “Ora, pai! Pra que está com a perna descoberta? Como ele não respondeu se aproximou da cama e levantando as cobertas, verificou que o seu pai estava MORTO!!!

APAVORADA se lembrou primeiro da outra irmã, Aparecida. Rapidamente ligou pra ela e contou o acontecido.
Aparecida recebeu a notícia, porém não apavorou. Contemporizou com a irmã, que seria melhor aguardar a sua mãe acordar, para dar a ela a notícia, pois o dia já tinha amanhecido. Seria questão de minutos.

PASSADOS poucos minutos o telefone da Sônia chamou. Era a Aparecida, sua irmã, aos prantos, levando a ela a mais inusitadas de todas as notícias. A Marieta demorou um pouco a mais do costume para acordar e ela tomou a iniciativa de despertar a mãe e dar a ela a trinte notícia do falecimento do seu ex-marido. Foi quando verificou que a sua mãe também estava MORTA!!!

LEVADOS os corpos para o IML de Patos de Minas, constatou-se que a Marieta havia morrido cerca de duas horas antes do Tião, ambos na madrugada de 04 de maio de 2.015..
A MAIS INFELIZ DE TODAS AS COINCIDÊNCIAS PARA A FAMÍLIA…

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MARCIANO BORGES

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